Este trabalho analisa a cobertura midiática do assassinato de Evandro João da Silva, um dos “líderes” do Grupo Cultural AfroReggae (GCAR), ocorrido no Centro do Rio de Janeiro, em outubro de 2009, em consequência de reação a um assalto. A análise baseia-se na interpretação de que as propostas de intervenção social do GCAR constituem um “projeto moral” ancorado na noção de responsabilidade para com o outro. Este projeto seria desenvolvido, no plano discursivo, através de pequenos “contos morais”, que têm como protagonista o sobrevivente, cuja marca emocional é a esperança. Porém, a morte de Evandro insere um dado novo nestes contos: seu protagonista é um mártir, associado não à esperança, mas à utopia. Tomamos este escândalo de opinião pública como um drama social, um momento em que a “sociedade” (neste caso a carioca) discute a si mesma, ou, dito de outro modo, como um ritual, nos termos de Geertz (1978), uma “história que a sociedade conta sobre ela mesma para si mesma”. Qual seria então a “moral” desta história que coloca o GCAR diante de um desafio: lidar com a emergência de um mártir em suas fileiras de sobreviventes? O material analisado é a cobertura do evento no jornal O Globo, no período de 19 a 24 de outubro de 2009. O foco da análise está nas representações da instituição policial presentes nas falas dos diversos atores sociais participantes do debate: autoridades, especialistas, membros do grupo e leitores do jornal.
Neste texto, acompanhamos de perto o percurso de Eduardo, um aluno moçambicano cooperante. Esta narrativa é complementada por uma análise das condições de formação em Portugal dos alunos de polícia de Moçambique, mas também de Angola, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe. Os cadetes preparam-se, em cinco ou mais anos de treino (equivalentes a mestrado), para virem a ser oficiais de polícia em seus países de origem. Defendemos o argumento de que esses alunos integram comunidades de saber, onde se incluem aprendizagens pela pedagogia da imagem e do exemplo. Tais comunidades são situadas histórica e contextualmente. No mesmo sentido, descrevemos como os alunos cooperantes em formação em Portugal mobilizam ideias de sacrifício e de esperança associadas tanto à experiência situada quanto à expectativa de regresso aos países de origem.
Do que falamos quando falamos de policiamento? De ordem e segurança, mas também de responsabilidade e cidadania, de planos de acção e relações de poder expressos em quotidianos vividos e narrados. Falamos inevitavelmente de países e sociedades. A literatura sobre temas policiais tem estado muito marcada por modelos e problemas que surgem a partir de contextos anglo-saxónicos. Sabemos ainda muito pouco acerca do que se passa em países de língua portuguesa. Esta coletânea é um passo no sentido do alargamento a novas mundivisões e desenlaces do problema da segurança pública e do policiamento em Portugal e no Brasil contemporâneos. Para tal foram convidados a participar alguns dos pesquisadores que, de ângulos e disciplinas muito diferentes, mais têm refletido e escrito sobre o assunto. Ao partilharem um passado colonial, uma história de ditaduras longas, a reconversão complexa das polícias nacionais e o enfrentamento de uma certa indiferença/desconfiança coletiva face à autoridade policial, os estudos portugueses e brasileiros podem abrir novos caminhos à reflexão neste domínio das ciências sociais, políticas e criminológicas.
Este trabalho enfoca a relação entre moral e emoção no projetode intervenção social do Grupo Cultural AfroReggae. O grupo tem comoprincipal objetivo oferecer alternativas à entrada no tráfico de drogas aosjovens de comunidades carentes, tais como oficinas artísticas e projetos deaproximação entre segmentos da sociedade carioca, em particular a polícia eos jovens moradores de comunidades. Em seus discursos veiculados emmídias diversas, o GCAR elabora uma “imagem de si” através da repetiçãode algumas histórias. Tomamos estas histórias como “fábulas”, cuja “moral”examinamos com base em duas oposições: mártir/sobrevivente e utopia/esperança.Nossa hipótese é a da existência de um tema fundamental: a responsabilidadepara com o outro. A noção de “projeto moral” (Cole, 2003),articulada à reflexão sobre o lugar da emoção na política, embasa a análise.Os dados incluem filmes, livros, entrevistas de seus integrantes dadas à televisãoe entrevistas em profundidade realizadas com membros do grupo.
In this article, I argue that in order to maintain some organisational uniformity the Portuguese police institution must ensure a high level of individual mobility – that is, a professional community on the move all over the country. Based on in-depth fieldwork in Portuguese police stations, I treat police bureaucracy not only as an institution with fixed boundaries but also, and simultaneously, as a unit continuously sustained by broader environments and the officers’ own domestic rationales.
This article received the ERICS Award, ICS 2011.
Este texto parte de dados de um estudo etnográfico sobre a Polícia de Segurança Pública portuguesa e os modos do policiamento urbano. São destacadas algumas das principais considerações sobre como a atividade policial é sustentada por uma gestão e moralização de ordens urbanas, construídas em várias escalas, conferindo ao tema do “crime” um peso relativo e mesmo ambíguo. Para tal contribui a forma como os polícias aprendem a cidade, como aprendem a burocracia e como vivem as experiências da deslocação nas suas trajetórias pessoais. O texto propõe ainda uma reflexão sobre como o processo de produção de estatísticas criminais ocupa um papel cada vez mais relevante na definição das identidades e da organização policiais.
Segurança e insegurança são aqui pensadas através de um enfoque exploratório aberto, deliberadamente demarcado de enquadramentos recentes que têm vindo a fechar o âmbito destas noções numa só das suas dimensões, isolando-a da complexa relação que mantém com outras. Ao fazê-lo, têm-na também abstraído do conjunto de aspetos da vida social em que se encontra imersa. Retomando em toda a sua plenitude o âmbito semântico de tais noções, no qual se incluem conotações de estabilidade, previsibilidade, proteção, ou, ao invés, vulnerabilidade e precariedade, examinamos as sucessivas reduções de sentido e ambiguidades que as envolvem. Ao resgatá-las assim ao quadro redutor em que têm vindo a ser encerradas, pretendemos reconquistar a amplitude analítica necessária para acolher em tais categorias os aspetos relativos à produção de segurança ou insegurança a quaisquer níveis em que se apresentem, desde noções ideológicas e perceções culturais até relações sociais e práticas institucionais, passando pelo funcionamento do Estado e dos seus atores. É neste quadro que se apresentam, articulados, os conteúdos deste dossiê.