Esse artigo tem o intuito de discutir os resultados de uma pesquisa com mulheres policiais em um batalhão de um município do estado de São Paulo entre 2015 e 2016 a partir das dificuldades sensíveis de acesso ao campo. O texto é dividido em duas partes. Na primeira, submetemos a literatura da especialidade no Brasil a uma revisão crítica pela ausência manifesta de uma discussão aprofundada da situação de pesquisa sobre gênero em instituições policiais. Na segunda parte, tentamos evidenciar a forma como determinadas opções teóricas – a análise das máscaras do Estado, o potencial disruptor de gênero nas polícias, a masculinidade persisiva – foram iluminadas pelos limites metodológicos à abordagem de cariz etnográfico e opacidades enfrentados na pesquisa. O Estado aparece como uma peça fundamental neste texto, pois ele não simplesmente se esconde e se torna opaco como gera, por intermédio dos seus funcionários em interação conosco, na condição de pesquisadoras em ciências sociais, diversas camadas de máscaras que permitem que este se vá sugerindo e simulando, enquanto se nega a ser adivinhação e conhecido, limitando desse modo o fluxo da comunicação que é a base da pesquisa social. Concluímos pela necessidade de comprometer as universidades na desocultação destes processos em instituições públicas tecendo uma crítica a “éticas” acadêmicas normativas que sirvam apenas para aprimorar e tornar mais criativas as velhas opacidades do Estado e das polícias militares.
O presente ensaio procura delinear uma alternativa interpretativa a críticas fatalistas sobre o Estado e o policiamento contemporâneo pós-colonial em países africanos. Partiu-se de uma pesquisa realizada com alunos cooperantes em formação e oficiais de polícia africanos formados em Portugal, especificamente no Instituto Superior de Ciências Policiais e Segurança Interna (ISCPSI). Defende-se a ideia de que discursos normativos e reformistas tendem a ser proferidos por alunos e ex-alunos que obtêm uma formação superior de longa duração que os agrega em comunidades de saber. Os efeitos práticos desta formação individual na condução do policiamento local não são de forma alguma evidentes. Porém, o que a pesquisa indica é que a abertura de avenidas de possibilidades intermédias na mudança de leis, políticas e técnicas policiais não deve ser desprezada.
Este trabalho analisa a cobertura midiática do assassinato de Evandro João da Silva, um dos “líderes” do Grupo Cultural AfroReggae (GCAR), ocorrido no Centro do Rio de Janeiro, em outubro de 2009, em consequência de reação a um assalto. A análise baseia-se na interpretação de que as propostas de intervenção social do GCAR constituem um “projeto moral” ancorado na noção de responsabilidade para com o outro. Este projeto seria desenvolvido, no plano discursivo, através de pequenos “contos morais”, que têm como protagonista o sobrevivente, cuja marca emocional é a esperança. Porém, a morte de Evandro insere um dado novo nestes contos: seu protagonista é um mártir, associado não à esperança, mas à utopia. Tomamos este escândalo de opinião pública como um drama social, um momento em que a “sociedade” (neste caso a carioca) discute a si mesma, ou, dito de outro modo, como um ritual, nos termos de Geertz (1978), uma “história que a sociedade conta sobre ela mesma para si mesma”. Qual seria então a “moral” desta história que coloca o GCAR diante de um desafio: lidar com a emergência de um mártir em suas fileiras de sobreviventes? O material analisado é a cobertura do evento no jornal O Globo, no período de 19 a 24 de outubro de 2009. O foco da análise está nas representações da instituição policial presentes nas falas dos diversos atores sociais participantes do debate: autoridades, especialistas, membros do grupo e leitores do jornal.
Neste texto, acompanhamos de perto o percurso de Eduardo, um aluno moçambicano cooperante. Esta narrativa é complementada por uma análise das condições de formação em Portugal dos alunos de polícia de Moçambique, mas também de Angola, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe. Os cadetes preparam-se, em cinco ou mais anos de treino (equivalentes a mestrado), para virem a ser oficiais de polícia em seus países de origem. Defendemos o argumento de que esses alunos integram comunidades de saber, onde se incluem aprendizagens pela pedagogia da imagem e do exemplo. Tais comunidades são situadas histórica e contextualmente. No mesmo sentido, descrevemos como os alunos cooperantes em formação em Portugal mobilizam ideias de sacrifício e de esperança associadas tanto à experiência situada quanto à expectativa de regresso aos países de origem.
Este trabalho enfoca a relação entre moral e emoção no projetode intervenção social do Grupo Cultural AfroReggae. O grupo tem comoprincipal objetivo oferecer alternativas à entrada no tráfico de drogas aosjovens de comunidades carentes, tais como oficinas artísticas e projetos deaproximação entre segmentos da sociedade carioca, em particular a polícia eos jovens moradores de comunidades. Em seus discursos veiculados emmídias diversas, o GCAR elabora uma “imagem de si” através da repetiçãode algumas histórias. Tomamos estas histórias como “fábulas”, cuja “moral”examinamos com base em duas oposições: mártir/sobrevivente e utopia/esperança.Nossa hipótese é a da existência de um tema fundamental: a responsabilidadepara com o outro. A noção de “projeto moral” (Cole, 2003),articulada à reflexão sobre o lugar da emoção na política, embasa a análise.Os dados incluem filmes, livros, entrevistas de seus integrantes dadas à televisãoe entrevistas em profundidade realizadas com membros do grupo.